segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Autenticidade: Não se trata de frescura, mas sim de recriacionismo

Boa noite, pessoal!

Bom, o tópico de hoje aborda o grande “vilão” do recriacionismo histórico: a autenticidade (ou “historicidade”).

O que é ser autêntico ao se fazer reenactment? Bom, certamente não é ser único e inovador, muito pelo contrário. O “autêntico”/”histórico” é justamente se manter fiel ao seu objetivo. Ou seja, utilizar objetos que, se fossem transportados para o período e local da história que visam recriar, não causariam estranhamento aos que lá viveram.

Claro, isso nem sempre é possível. No caso de alguns períodos, como o que eu e meu grupo tentamos recriar, somos obrigados (por necessidades e bom senso) a utilizar equipamentos que não existiam na época em questão, como armas embotadas e feitas de forma “não ortodoxa”, luvas e braceletes de proteção, escudos de compensado, etc...

Mesmo assim, esses objetos buscam a autenticidade na medida do possível. Por exemplo, uma espada não precisa, obrigatoriamente, ser feita através de forjamento, com aços “caseiros” e tudo o mais para ser autêntica, desde que apresente um estilo que seja próprio do período e região a qual tenta se encaixar. A lâmina também, preferencialmente, deve ter um tamanho, peso e formato possíveis, mas com algumas diferenças (como o fato de ser embotada). Isso permite que o recriacionista “sinta” a espada como ela deveria ser e assim possa explicar pros outros esse entendimento.

Outro exemplo é o uso de algumas proteções para alguns períodos. Apesar de alguns não existirem ou não serem usados em algumas épocas para em atividades bélicas, são fundamentais para a salubridade de algumas práticas que o reenactment acaba envolvendo. Nos recriacionismos medievais o combate é comum e sem a devida proteção, com o perdão da palavra, daria merda.
Assim, ainda que o equipamento não condiga com a realidade, é imprescindível. Nestes casos, deve haver um esforço para que sejam “feitos à semelhança” do período. Não é porque está “errado” de qualquer forma um guerreiro saxão do século X usar uma luva de proteção na mão da espada que ele vai usar uma luva de boxe ou uma manopla articulada gótica. Ele pode reforçar uma luva com couro, cota de malha ou mesmo “camuflar” uma luva qualquer. O ideal seria não usá-las, mas perder dedos, apesar de “histórico”, não é e nunca foi divertido.

Qualquer objeto, assim, tem a obrigação de se parecer autêntico. Existem objetos que hoje são muito mais caros do que de fato seriam no período recriado e, portanto, podem ser feitos de uma maneira alternativa convincente (como usar vidro vermelho ao invés de granada para reproduzir técnicas de cloisonné, ou costurar com uma máquina ao invés de à mão, para exemplificar). Embora a maneira original deva sempre ser preferida, essas alternativas viabilizam a prática. Acontece que em alguns pontos é estúpido pensar em alternativas, como usar cola ao invés de costura (que é algo perceptível ao olhar e bem menos resistente), utilizar tecidos e cores impróprias para a época sem uma boa justificativa, utilizar sintéticos ao invés de naturais, etc. Para um olho mais atento, até a diferença do tecido usado torna-se gritante.

Para se ter uma noção bem clara do que é ser autêntico, imaginem alguém, daqui quinhentos anos, querendo recriar nosso tempo. Se a moda no futuro for tecido de pêlos de cachorro, eles não poderiam usá-los dizendo que nós nos vestíamos tipicamente assim. Também poderiam inventar carros baseados nos nossos, não estariam totalmente errados, mas não poderiam, por exemplo, criar carros de cinco rodas, só porque viram um triciclo e acham que a numeração ímpar é válida. Também não devem andar todos de triciclo por ser mais barato (digo no futuro, provavelmente), já que não é o que é visto em nossa época. Por isso há a necessidade do estudo. É importante saber o quão comum era uma coisa antes de usá-la. E se for uma peça “única”, ter consciência disso pro caso de alguém levantar a pergunta, já que às vezes pode haver no público que observa um evento recriacionista algum cretino especialista no assunto que vai adorar provar que alguém está errado. Ou seja, a menos que nossos descendentes façam, por exemplo, um grupo de reenactors de um moto clube de triciclos, esse tipo de veículo seria a minoria, mas com a “desculpa adequada” do motoclube, estaria “liberado”.

Usando a mesma linha de raciocínio, imaginem alguém tentando demonstrar como seria o “executivo” padrão de nosso século. Caso todas as gravatas e imagens tivessem desaparecido exceto as com estampas cômicas, não seria errado que eles as usassem, pois saberiam que os executivos usavam gravatas e tendo apenas uma dos Simpsons à mão, seria uma visão aproximada da realidade, ainda que “errada”. Isso é importante ser dito pois, em muitos casos, nós nunca saberemos como um povo se vestia de fato, mas tendo alguns achados, podemos nos basear neles com segurança, ainda que na época fosse uma exceção.

Isso nos informa uma verdade desastrosa para quem não estuda com afinco: mesmo um aficcionado, estudioso, phd em arqueologia pode estar completamente equivocado, então pense naquele que apenas “viu uns filmes/seriados” ou “viu umas fotos legais”.

Como se não bastasse a atenção a cada detalhe, o pesado estudo e o risco de novas descobertas acabarem com toda a diversão, há ainda o problema de que você, num recorte específico, jamais mostrará de fato uma época por completo. Usando novamente o exemplo de um futuro reenactor do século XXI, seria possível um traje com elementos típicos do público fã de música sertaneja, mas usando uma camiseta do Metallica e uma corrente de ouro no pescoço. Ou ainda que fosse um completo “roqueiro de uniforme”, usando exatamente os mesmos trajes que alguém num grande show, ele só mostraria apenas uma faceta minúscula da sociedade na qual vivemos (e mesmo deste recorte que ele tentaria recriar), não podendo dizer “é assim que se vestia um fã de heavy metal no século XXI”. E se ele dissesse “um típico fã”, apenas deixaria a frase menos afirmativa, mas mesmo assim insuficiente.

Como fica claro, a autenticidade “mata” a criatividade. E esse é o preço que se paga pelo bom reenactment, mas é altamente necessário para que não caiamos na fantasia (que não é problema algum se for esta a intenção, mas se torna um problema, tipo quando você quer uma capivara mas só consegue um porquinho da índia, que pode ser legal, mas não é a mesma coisa). O reenactment tem como intuito principal ilustrar algum período específico e não inventar um tempo-espaço somente “influenciado” pela realidade.

Diversos outros exemplos poderiam ser citados (e percebo que numa terra onde temos milhares de reis - como Xuxa, Pelé, Roberto Carlos, para não citar outros -, eu estou quase assumindo o reinado dos exemplificadores), mas a postagem já se alongou muito e terminarei aqui.

Caso queiram algum tópico mais específico, basta comentar pedindo.


Até a próxima!

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