segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A importância de um "recorte" específico

Boa noite!

Uma semana se passou e acho que farei os posts semanalmente. Assim fica mais fácil de administrar e o blog não morre em um só mês com tantos assuntos.

Mas vamos ao que interessa, o tema de hoje é algo que eu e alguns amigos chamamos de "recorte", embora possa haver uma boa centena de termos para o assunto, como uma "caracterização específica", "localização espaço-tempo", "foco", "período de interesse" e por aí vai.

O recorte nada mais é que uma escolha do recriacionista a cerca do que ele de fato deseja recriar. Não basta dizer "faço reenactment viking" ou, mais genérico ainda, "medieval reenactment". Por que não? A Idade Média, oficialmente, tem mais ou menos mil anos. Só a Era Viking tem quase 300. A primeira acontece, teoricamente, em toda a Europa e a segunda também, embora a tratemos como exclusiva às regiões setentrionais e mais ocidentais do continente.

Agora faço a pergunta: é possível imaginar um espaço tão vasto e um período tão longo com uma uniformidade, seja em qualquer aspecto? É ingenuidade ou, desculpem-me, burrice acreditar que "medieval" ou mesmo "viking" sejam adjetivos específicos, isso sem entrar no mérito da discussão sobre a etimologia e usagem do termo viking em si, que é alvo de pesquisas desde o século XIX (como tudo, praticamente).

Assim sendo, ao se recriar um período, é fundamental fazer um recorte dentro dele. E quanto mais específico, mais verossímil a recriação será.

A especificidade é um negócio chato, já que nunca será real. Dificilmente vemos um reenactor que queira retratar um camponês ou fazendeiro, embora esses fossem a esmagadora maioria das pessoas de antigamente (e em alguns lugares, até hoje). As pessoas tendem a desejar sempre "ser o fodão". E isso é natural. Qual é a graça de se empenhar numa prática pra usar trapos sujos? A regra hoje é, indubitavelmente, a exceção de outrora. E espera-se que os recriacionistas trabalhem com o típico e não com a exceção. Então como fazer?

Aí o recorte ganha sua força. Ao se retratar "um nobre carolíngio da segunda metade do século IX", certamente você não está trabalhando com o típico homem carolíngio, mas com um modelo que era minoria. Mas você deve retratar sempre o "típico nobre carolíngio da segunda metade do século IX". Assim você pode dar uma noção de como era essa especificidade. Entendem a jogada? Um recorte bem fundamentado, ainda que específico, é legitimado. Já que o "típico homem carolíngio", enquanto este período durou entre os francos, é um conceito mutável em questão de décadas.

"O típico viking" também não existe, pra demonstrar a ilusão que alguns possuem. No final do século VIII certamente eram saqueadores navais que cultuavam deuses pagãos. No século XII-XIII, a Escandinávia inteira já era cristianizada e o próprio termo "viking" passou a ser usado, inclusive, para cruzados.

Desta forma vemos que há uma grande enganação ao tentar retratar o "típico", pois o típico é uma coisa meio volátil. Mas o "típico-específico", apesar de parecer uma contradição semântica, é o terreno da recriação histórica.

Veja bem, se você usa um elmo suéco do final do século VIII, uma espada norueguesa do meio do XI e trajes com adornos saxões do século IX, você não está representando NADA que existia no período. Seria como dizer que um brasileiro do século XX usa chapéu de cangaceiro, walkman, bombacha e gravata, só porque todas essas coisas existiram nesse século no Brasil.

Por isso é importante escolher esse recorte, pois apesar de retratar uma minoria, você recria uma minoria "passível de existir" e não um ajuntado genérico que causariam um bug mental na cabeça de quem o visse naquele tempo e lugar, já que muitas vezes (e isso ocorre até hoje), as pessoas se identificavam por códigos culturais e sociais bem estabelecidos, que indicavam sua origem, status e até mesmo suas filiações ideológicas e familiares. Uma mistura deliberada desses códigos gera uma incoerência terrível.

Claro, uma certa flexibilidade é sempre útil, já que como direi no meu próximo post, é impossível saber, de fato, como um período mais "remoto" era. No entanto devemos, caso queiramos fazer um recriacionismo no mínimo decente, buscar essa verossimilhança. Do contrário, poderíamos simplesmente usar kilts e coturnos militares, com um cocar de índio norte-americano e falar "sou um recriacionista da Idade Moderna".

Enfim, espero ter elucidado algumas questões (e, é claro, gerado outras).

Até segunda que vem!

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