Boa noite!
O tema de hoje será continuado na próxima semana, de certo modo, no qual falarei sobre o estudo propriamente dito, mas hoje falarei sobre a correlação reenactment/instituição. Por instituição eu me refiro com mais ênfase à ideia de Universidade.
O tema de hoje será continuado na próxima semana, de certo modo, no qual falarei sobre o estudo propriamente dito, mas hoje falarei sobre a correlação reenactment/instituição. Por instituição eu me refiro com mais ênfase à ideia de Universidade.
Mais uma vez, vou aplicar o alvo da
fala prioritariamente ao exterior por três motivos: a) no Brasil não
há essa relação ainda, pelo simples fato de não termos
recriacionismo (digo numa escala visível). Simples assim. b) apesar
de podermos criar uma intimidade entre a prática e as Universidades
através de pesquisas de extensão, há no meio acadêmico nacional
muita gente que toma o reenactment como uma brincadeira sem
seriedade. Há também o fato de muita gente ligada ao ensino formal,
aqui, desmerecer o não formal, como “irrelevante” ou até
contrário às suas intenções. c) por último mas não menos
importante, há o fato de que algumas universidades só se proporiam
a dar apoio à atividade da recriação histórica se essa história
fosse um eco da nossa. O que de certa forma não está errado, claro,
mas excluir o alheio é bem diferente de favorecer o próprio e aqui,
por questões políticas vigentes, apenas alguns “alheios” são
“próprios” (como o esforço público em tornar nossa matriz
africana mais brasileira do que a indígena, só pra citar um
exemplo).
Enfim, vamos lá.
A recriação (com i), além de
ser recreativa (com e), tem também o caráter educativo, como
já disse aqui no blog antes. Essa forma de ensino se dá,
primariamente, no âmbito não formal, ou seja, um ensino não
institucional, sem cartilhas pré-definidas, mas que ainda assim
transmite algo.
Meu crime: sou artista, não
historiador. Porém, cursei uma faculdade de História por algum
tempo e a relação entre formalidade e informalidade nessas duas
áreas é completamente diferente.
Na educação brasileira, apesar de
estar revendo consideravelmente esta estrutura nas últimas duas
décadas, há uma hierarquização das formas de ensino. Em primeiro
lugar vem o ensino institucional, fechado, com sua ementa bem
definida e tudo o mais Este é o chamado ensino formal (desculpem a
repetição de termos, mas é necessária). À seguir vem o ensino
não formal, com compromissos muitas vezes mais sociais do que
educativos. Ainda assim, ele tem uma certa organização para que
alcance suas intenções. Por último vem o ensino informal,
diferente do anterior. Basicamente tudo que se faz é ensino informal
se não entra nas duas categorias já citadas, podendo ser uma
conversa com o pasteleiro sobre futebol ou ler o jornal sobre o
clima.
Como disse, estamos avançando, mas nos
meios acadêmicos de História ainda reina um pouco essa
hierarquização (afinal, professores transmitem muito mais da sua
própria visão de mundo a seus alunos do que se poderia imaginar).
No meio da Arte isso é diferente, porque... Bem, porque artista é
tudo louco, como diria o resto da população. Em breve, se nada de
errado ocorrer, a educação brasileira como um todo perceberá a
ferramenta que está deixando na gaveta.
E o que tudo isso tem a ver com o
recriacionismo?
Bom, sendo uma modalidade não formal
de ensino, tudo. Em muitos países há a integração dessas três
esferas, pois as três se articulam continuamente na formação do
indivíduo. Negar ou menosprezar alguma delas é, quase que
literalmente, tirar uma perna de um tripé. Ou pelo menos encurtá-la,
deixando-o desestabilizado.
Na Europa, a Academia (erudição,
pessoal, não musculação) passou a adotar o recriacionismo como uma
potente forma de atingir a população com assuntos que, de outra
forma, ficariam meio “mal-explicados”.
Traduzindo: ao invés de deixar
qualquer um disseminar um conhecimento de forma errada, causando uma
desinformação tremenda sobre uma parcela da sociedade, a
Universidade assume o papel de transmitir esse conhecimento de um
modo, ao mesmo temo que atraente, confiável. É claro que no caso de
um novo regime totalitário qualquer, isso pode e com certeza VAI dar
merda, mas nessas situações, independe do não formal, daria,
todavia.
Bom, se uma Universidade toma as rédeas
da transmissão de pesquisas acadêmicas para o grande público,
inevitavelmente você desmonta esteriótipos errados. Imaginemos essa
situação ideal aqui no Brasil: Se houvesse, digamos, no Museu do
Ipiranga, um evento cujo tema fosse a proclamação da Independência,
com gente vestida como alguém do início do século XIX, mas com um
ator fazendo Dom Pedro em cima de um burro de carga voltando de
Santos, o ilustre e equivocado (mas belíssimo, pra sermos justos)
quadro de Pedro Américo poderia ser, finalmente, encarado como uma
interpretação romântica do grito e não como um quase-retrato,
como alguns o enxergam.
Um evento desses seria algo visualmente
fantástico para um público leigo que, “por osmose”, acabaria
entrando no clima e inevitavelmente aprenderia algo sobre a história
de nosso país. Com uma “tradicionalização” desse ato, digamos,
todos os dias 7 de Setembro, viraria uma espécie de evento turístico
que acabaria gerando mais interesse do povo como um todo por
história, que levaria à leitura, à uma maior acumulação de
conhecimento, que geraria mais senso crítico e blablabla...
Não digo que o reenactment é a solução da humanidade, óbvio que não, mas pode ser usado como um passo para uma valorização da cultura, sem demagogias politiqueiras ou valorização de determinados aspectos através da desvalorização de outros (como certas políticas nacionais que nos rodeiam atualmente).
Não digo que o reenactment é a solução da humanidade, óbvio que não, mas pode ser usado como um passo para uma valorização da cultura, sem demagogias politiqueiras ou valorização de determinados aspectos através da desvalorização de outros (como certas políticas nacionais que nos rodeiam atualmente).
No exterior isso ocorre. Os “Open-air
museums” são presentes em diversos lugares na Europa. A encenação
da batalha de Hastings é um evento aguardado por milhares de
reenactors todos os anos. Mesmo museus “tradicionais” às vezes
apresentam réplicas de peças de época (que por sua vez são,
também, recriação histórica) que podem ser seguradas ou vestidas
pelo público, geralmente para que tirem fotos, mas que os fazem ver
como seria o original e tocar algo muito próximo.
Além disso, é muito mais interessante
e divertido você aprender alguma coisa num museu através de
atividades do que lendo placas e textos de parede. Esses são
indispensáveis, claro, mas se você ficar curioso, provavelmente vai
ler com mais vontade e aí se lembrará dele por mais tempo.
Para crianças (o clichê de “futuro
da nação” é cai bem nesse momento) é ainda mais divertido,
porque ao invés de ver um manequim, frio e estático dentro de uma
vitrine, ela veria, por exemplo, um ferreiro martelando uma ferradura
numa forja a carvão. Ouviria, sentiria o calor. Essa experiência
dificilmente seria apagada da mente dela e mesmo que ela fosse
trabalhar com TI, com certeza haveria um maior respeito por essa ou
qualquer outra área menos “avançada tecnologicamente”, graças
a alguma lembrança agradável (torcendo pra criança não enfiar a
mão na brasa, claro, já que seu sentimento acabaria se
invertendo...)..
E o que isso tem a ver com
universidades em si? Bom, a maioria dos museus do mundo, independente
da área de pesquisa, são administrados por universidades. O próprio
Museu do Ipiranga é da USP.
É muito mais barato prum museu (e,
portanto pra Universidade que o mantém) convidar recriacionistas
para esses eventos e demonstrações do que treinar funcionários,
contratar atores ou mesmo contratar profisionais especializados
nessas áreas. O reenactor, assim, ganha uma boa área de atuação e
um reconhecimento social como um agente formador e não apenas um
excêntrico desajustado.
Apesar de eu, por exemplo, trabalhar
como cuteleiro e gostar das tais dark ages, adoraria me vestir como
um ferreiro colonial do século XVIII e mostrar pras pessoas como era
a confecção de ferrarias de campanha (supondo que eu as soubesse
fazer, claro. E eu com certeza não cobraria nada por isso se tivesse
esse espaço. Claro, se uma instituição dissesse “preciso de você
para tal dia”, a coisa muda de figura, mas se fosse um evento para
recriacionistas, com um cronograma livre e tal, eu não estaria lá
“à trabalho”, mas sim “por lazer”. E acredito que a maioria
dos recriacionistas envolvidos com algum tipo de produção
relacionada ao período que recria pensa da mesma forma.
Para o recriacionismo em si, por outro
lado, acaba surgindo uma responsabilidade saudável. Se um museu
tenta retratar um período, automaticamente ele irá tentar convidar
os reenactors que tenham qualidade para tal e não qualquer um. Dessa
maneira, irá chegar naqueles que conheçam o período através do
estudo. O próprio museu, dessa maneira, pode disponibilizar suas
pesquisas e acervo para enriquecer essa recriação, melhorando a
qualidade da prática para não “sujar sua imagem”.
Assim surge uma interdependência: a instituição precisa de BONS recriacionistas e o recriacionista precisa de BOAS pesquisas (criadas principalmente por pesquisadores de universidades). Ambos saem ganhando, ainda que não haja um compromisso fixo de exclusividade em nenhuma parte.
Assim surge uma interdependência: a instituição precisa de BONS recriacionistas e o recriacionista precisa de BOAS pesquisas (criadas principalmente por pesquisadores de universidades). Ambos saem ganhando, ainda que não haja um compromisso fixo de exclusividade em nenhuma parte.
E o público sai ganhando em dobro:
aprende, interage, se diverte e consegue, diferente do conhecer ou
entender, compreender por um momento um período deixado para
trás no tempo.
Até a próxima semana.
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